sábado, 30 de julho de 2011

Maranatha (78)

IX. CONCLUSÃO

2. SER MODERNO

"Uma pessoa inteligente e culta já não pensa em ser moderna - e se, para além disso, for mundana, quer mesmo é ser conservadora; já não é possível ser moderno e dar nas vistas, os modernos esgotaram a lista dos escândalos possíveis. Está mais "in" ser antigo.
Aliás, foi sempre assim: moderno é o que de mais efémero existe. A corrente pós-moderna explicou a morte deste moderno que ainda esperneia; mas, como a modernice é doença cíclica, procuremos que em Maranatha todos sejam vacinados contra ela.
Identifica-se "moderno" com "actual" e "vivo" - mas, na verdade, o moderno pode significar "reaccionário" e "morte". É o que está a acontecer agora, no Ocidente.
Imaginemos um jardim que deixa de ser cultivado. As ervas daninhas saltam por cima dos arbustos, outrora floridos, e os tanques ou secam ou ficam cobertos de limos verdes e pantanosos.
O que este exemplo procura ilustrar é que a Verdade não depende do tempo, outrossim da atitude. Só um teimoso não compreende as razões clássicas.
Mas um dos cocktails mais perigosos do ser humano é a teimosia aliada ao orgulho: com frequência acontece que alguém, vendo a olhos vistos que se enganou, persiste no erro para não dar parte de fraco.
É o caso dos pós-modernos, inteligentes e cultos de mais para esconderem as contradições iluministas... mas cínicos quanto baste para não afirmarem os pressupostos antigos, perdoados os eventuais excessos circunstanciais.
Toleremos, em Maranatha, que os jovens tenham os seus laivos de modernismo. Fica bem nesta idade. É como ser comunista, é uma questão hormonal. Aproveitemos o ar fresco que possa vir daí.
Mas alerta, não vá o puto trocar a nuvem por Juno.
Nestes casos, voltemos a treinar a noção do ridículo." - Mário Cabral in Diário Insular

sábado, 23 de julho de 2011

Maranatha (77)

IX. CONCLUSÃO

1. MARIA VAI COM AS OUTRAS

"Tudo se corrompe, neste mundo. Maranatha vai tender para o seu fim, como é natural. Mas, porque amamos a nossa cidade, procuremos atrasar a sua queda, através do conhecimento do seu calcanhar de Aquiles.
O maior perigo de todos consiste em não acreditar que Maranatha seja viável, o que é demonstrativo do cancro civilizacional dos nossos dias: cínicos, não acreditamos em nada. "É uma utopia."
Quando se conclui que é inevitável viver do modo como vivemos, nega-se a liberdade que, para além de ser condição fundamental ao Homem, é requisito imprescindível à democracia.
A verdade é que não há destino para a pessoa humana. Somos livres de fazermos de nós o que bem entendermos. Ninguém manda em nós: nem História, nem Economia, nem Biologia.
Este vício fatalista talvez tenha ficado da interpretação marxista, que já deu com a cabeça contra a parede. Não somos obrigados ao desvario capitalista, podemos mudar de vida.
Maranatha é possível. Já foi e voltará a ser.
Para além disso, instalou-se em Portugal este vírus chamado "Maria vai com as outras": os outros é que estão sempre certos, mesmo quando trocam os passos, de bêbados; os outros é que são modernos e vão na crista da onda, mesmo quando se estão a afogar; somos a ultraperiferia - quando é inegável sermos a proa na direcção do novo mundo!
Por fim, talvez que a democracia seja, com efeito, o melhor regime conhecido... mas é o mais débil, o mais fácil de adulterar. "Democratizar" vale mais que "Democracia". Há muitas variantes democráticas. Não podemos ficar reféns desta máscara mentirosa que esconde o rosto do Demónio.
Nem podemos ficar acaçapados, com medo de inventar a excelência, só porque nos dizem "Não venha a pior"." - Mario Cabral in Diário Insular

terça-feira, 19 de julho de 2011

O texto tem 10 anos e será citado nos próximos 100

Os lambe-cus

"Noto com desagrado que se tem desenvolvido muito em Portugal uma modalidade desportiva que julgara ter caído em desuso depois da revolução de Abril. Situa-se na área da ginástica corporal e envolve complexos exercícios contorcionistas em que cada jogador procura, por todos os meios ao seu alcance, correr e prostrar-se de forma a lamber o cu de um jogador mais poderoso do que ele.
Este cu pode ser o cu de um superior hierárquico, de um ministro, de um agente da polícia ou de um artista.
O objectivo do jogo é identificá-los, lambê-los e recolher os respectivos prémios.
Os prémios podem ser em dinheiro, em promoção profissional ou em permuta.
À medida que vai lambendo os cus, vai ascendendo ou descendendo na hierarquia.
Antes do 25 de Abril esta modalidade era mais rudimentar.
Era praticada por amadores, muitos em idade escolar, e conhecida prosaicamente como «engraxanço».
Os chefes de repartição engraxavam os chefes de serviço, os alunos engraxavam os professores, os jornalistas engraxavam os ministros, as
donas de casa engraxavam os médicos da caixa, etc... Mesmo assim, eram raros os portugueses com feitio para passar graxa.
Havia poucos engraxadores. Diga-se porém, em abono da verdade, que os poucos que havia engraxavam imenso.
Nesse tempo, «engraxar» era uma actividade socialmente menosprezada.
O menino que engraxasse a professora tinha de enfrentar depois o escárnio da turma.
O colunista que tecesse um grande elogio ao Presidente do Conselho era ostracizado pelos colegas. Ninguém gostava de um engraxador.
Hoje tudo isso mudou. O engraxanço evoluiu ao ponto de tornar-se irreconhecível. Foi-se subindo na escala de subserviência, dos sapatos até ao cu.
O engraxador foi promovido a lambe-botas e o lambe-botas a lambe-cu.
Não é preciso realçar a diferença, em termos de subordinação hierárquica e flexibilidade de movimentos, entre engraxar uns sapatos e lamber um cu.
Para fazer face à crescente popularidade do desporto, importaram-se dos Estados Unidos, campeão do mundo na modalidade, as regras e os estatutos da American Federation of Ass-licking and Brown-nosing.
Os praticantes portugueses puderam assim esquecer os tempos amadores do engraxanço e aperfeiçoarem-se no desenvolvimento profissional do Culambismo.
(...) Tudo isto teria graça se os culambistas portugueses fossem tão mal tratados e sucedidos como os engraxadores de outrora.
O pior é que a nossa sociedade não só aceita o culambismo como forma prática de subir na vida, como começa a exigi-lo como habilitação profissional.
O culambismo compensa. Sobreviver sem um mínimo de conhecimentos de culambismo é hoje tão difícil como vencer na vida sem saber falar inglês." - Miguel Esteves Cardoso, in "Último Volume"

sábado, 16 de julho de 2011

Maranatha (76)

VIII. RELIGIÃO

10. ALEGRIA NA ESPERANÇA

"As pessoas que não têm religião tendem a perder a esperança. Na verdade, a natureza humana, só por si, não vale grande coisa e, pouco a pouco, à medida que amadurecemos, cresce em nós a desilusão. Quanto mais se é inteligente, quanto mais vai aumentando a angústia face à morte.
Este cenário é catastrófico, em termos políticos, porque reduz a intensidade do empenhamento no bem comum. É certo que há seres humanos capazes de praticar o bem e a justiça mesmo sem acreditarem em Deus e no Juízo Final; porém, é de esperar que a maioria aceite a "luta pela sobrevivência" como a lei natural inevitável.
Os modernos gostam de dizer de si próprios que são a favor do progresso. Esta pretensão não corresponde à verdade. "Progredir" implica avançar em direcção a um objectivo; qual é o objectivo de quem tranca a porta do futuro? As sociedades ateias são claustrofóbicas porque reduzem as pessoas ao fatalismo das leis da natureza. Mais cedo ou mais tarde, a ilusão da novidade tecnológica revela-se um insulto à necessidade humana de infinito.
Ironicamente, é a Tradição que avança a passo certo e seguro para o melhor. Não admira que os crentes sejam pessoas de esperança. Ora, a esperança gera alegria, em especial aquela que foi prometida por Nosso Senhor.
A contrapartida do contrato não pode ser mais vantajosa para o político: "Amar a Deus e ao próximo". Deixa de haver "outros"; passa a haver "irmãos". A compaixão não precisa de leis coercivas.
Alegria é uma coisa, felicidade, outra, e prazer ainda outra: o prazer é físico; a felicidade é um estado psicológico passageiro; a alegria é profundeza de alma. Deveriam andar sempre juntos, daí que os confundamos.
A alegria gera sempre os outros dois." - Mário Cabral in Diário Insular

domingo, 10 de julho de 2011

Maranatha (75)

VIII. RELIGIÃO

9. MINORIA CRIATIVA

"Já fomos a Cristandade; foi no tempo das catedrais e dos reis católicos, quando descobrimos o novo mundo. Não só éramos poderosos como representávamos a civilização.
Íamos a direito, alentados. Quem não estava connosco era pagão, como, antes, quem não era grego era bárbaro.
A Europa actual é a sombra evanescente dum fantasma. Este cancro dura há uns três séculos. Impossível não identificar a modernidade com tal decadência. O cepticismo caracteriza a derrocada.
Maranatha será, conscientemente, uma "minoria criativa" em contexto apocalíptico. O conceito é de Toynbee; e o Papa pediu aos católicos para terem a coragem de voltar a ser o sal do mundo.
A "minoria criativa" é formada pelos que encontram soluções para os desafios; depois, estas são copiadas pelo geral.
Nada que já não tivéssemos experimentado, no tempo de Paulo. Os gregos podres chamaram-no louco. Corinto, hoje, é nome de uva passada, e o louco de Deus continua a ser ouvido em cada missa.
Não tenhamos vergonha de ser "originais", no duplo sentido.
Preparemo-nos: ao nosso gosto estético treinado em palácios vão chamar piroseira; à nossa lógica imbatível, aqueles que não sabem pensar vão contrapor o "cientificamente provado"... vão rir-se dos nossos costumes morais, ter pena de acreditarmos na vida eterna.
"Freud explica", dirão.
Avancemos, gritando: "O rei vai nu!"
Eles: "Reaccionários!"
Nós: "Os cães ladram, a caravana passa."
Poucos, mas geniais. Cavaleiros da tábula redonda.
Quem dera fôssemos todos!
"Vinde a Mim, todos vós que sofreis, e encontrareis descanso."
Digam: "São loucos!", desde que entendam que obedecemos à Transcendência.
Somos filhos de Deus, a Verdade nos alimenta.
Confiemos!
Instauremos, de novo, a apoteose." - Mário Cabral in Diário Insular

domingo, 3 de julho de 2011

O lado da Receita está explicado...

Depois de cerca de 6 anos de trevas, ainda não estou certo se Pedro Passos Coelho está completamente consciente das expectativas que a maioria dos portugueses têm sobre ele e sobre o governo que lidera.
Depois de conhecidos o Memorando assinado com a CE/BCE/FMI e o Programa do Governo, já discutido na AR, já todos conhecemos o lado da Receita do processo de cura de 6 anos de Sócrates em que o pais vai mergulhar.
Também já conhecemos algumas medidas que, embora pouco referidas e ainda não inteiramente explicadas, são um bom sinal do que poderá vir a ser a governação nos próximos 4 anos, e delas destaco apenas duas:
- o regime de IVA com Recibo para pequenas empresa, medida de elementar justiça e mais eficaz para a tesouraria das empresas que qualquer linha de crédito;
- o acesso a subsídio de desemprego para trabalhadores a recibo verde; sendo estes trabalhadores quem mais paga para a Segurança Social, é também de elementar justiça que, quando sem trabalho, possam usufruir do sistema para o qual tanto contribuem.
Falta agora conhecer o lado da Despesa.
E é importante que se conheça depressa, para que os portugueses possam aceitar e compreender por que, e para quê, terão de pagar mais impostos, mesmo que extraordinários, especialmente numa altura em que os serviços do Estado têm tendência a deixar de ser gratuitos.

sábado, 2 de julho de 2011

Maranatha (74)

VIII. RELIGIÃO

8. LASTRO

"À medida que uma pessoa normal amadurece, vai compreendendo o que os pais lhe ensinaram quando criança. Tem a ver com ditados populares, conselhos morais; com referências a contos infantis e à cultura comum.
Este reconhecimento envolve um grande conforto psicológico.
Qualquer religião joga, aqui, um papel central, por ser o campo mais largo.
O Catolicismo é o mais amplo de todos.
As implicações do fundo religioso católico são incontáveis: desde a organização da semana, com o eixo no Domingo, até férias lectivas e feriados, passando pela língua e pelas noções de liberdade, de justiça e de bem, tais pregas são, de tantas, imperceptíveis.
Alguns filósofos chamam a este lastro "jogos de linguagem" ou "quadro de referências". Também se poderia falar de "coordenadas".
Não é possível comunicar sem pressupor, vamos dizer, um estádio comum, onde as regras são as mesmas para todos os jogadores. Uma frase tão simples como: "Até de hoje a oito dias!", implica um acordo de base subentendido.
As regras principais do jogo não podem mudar ao sabor da moda e do capricho individual. Isto acontecendo, a pessoa perde a segurança na realidade e pode adoecer mentalmente.
Os dogmas católicos ultrapassam o tempo e o espaço, trazendo robustez ao carácter. Um açoriano que faça ERASMUS na Polónia sentir-se-á em casa, malgrado as nuances culturais. Saber que no século XXV a liberdade vai continuar um valor traz confiança no futuro.
Igual a isto só a Matemática.
Logo, o contrário é bestial; na verdade, os animais estão encarcerados no seu território e no seu corpo, que morre.
Parecendo que libertam, os modernos prendem a pessoa no desespero da solidão e da loucura.
Para não falar da cidade, que se esfuma." - Mário Cabral in Diário Insular