sábado, 27 de agosto de 2011

Maranatha (82)

IX. CONCLUSÃO

6. TEOCRACIA

"A nossa maior tentação será fazer de Maranatha uma teocracia; e, de forma enviesada, de temer a acusação de o sermos, como Pedro ao negar Jesus.
O conceito de teocracia é um pau de dois bicos; e os regimes teocráticos conhecidos não abonam a favor deste nome. À boleia de Deus praticam-se atrocidades diabólicas. Aliás, evitaremos todas as ideologias, máscaras hipócritas para conveniências animalescas. É a Justiça, fundamentada na Verdade, que devemos procurar.
Numa teocracia, as leis civis são as leis de Deus. Tal nunca aconteceu na Cristandade, ao invés do apregoado. Cristianismo que fosse teocrático proibiria o trabalho ao Domingo e teria de obrigar ao culto neste dia, e a pelo menos uma confissão por ano; à contribuição para as despesas do culto, etc.
Cristo foi claríssimo neste ponto: a César o que é de César, a Deus o que é de Deus. O Reino de Deus não é deste mundo e, em grande parte, entra em choque com ele. A norma que preside à vida cristã - a santidade - não é a norma da organização social: poucos procuram ser santos e esta busca tem de ser feita com uma liberdade que seria coarctada caso se tratasse duma norma civil.
A teocracia nunca interessou à Cristandade. O caso actual da China exemplifica bem porquê; foi sempre assim, com reis e imperadores a procurar interferir na eleição de bispos e papas, e a usarem os valores cristãos para camuflar interesses de classe.
Dito isto, uma sociedade justa, boa, inteligente e culta não pode evitar esta evidência: que a organização humana deve seguir a lei natural. Ora, a lei natural obriga, metafisicamente, à Transcendência.
O ideal seria uma "teocracia livre", ao estilo da Santa Madre Igreja... que não é um país, mas um povo." - Mário Cabral in Diário Insular

terça-feira, 23 de agosto de 2011

A estupidez humana (2)


Mais um com as coordenadas daqui de casa no GPS.
Primeiro o Bob (aquiaqui e aqui) e depois a Freia (aqui e aqui). Ambos arranjaram donos que os merecem.
Ou anda perdido, ou foi despejado aqui na vizinhança. A segunda alternativa parece-me a mais provável, a avaliar pela ânsia como corre atrás de cada carro que vê passar. Se for o caso, espero mais uma vez que as pessoas em causa tenham uma furunculose rectal das antigas. Crónica de preferência. É o que merecem.
É pequenote, raçado de caniche, adulto, brincalhão e sociável com pessoas, cães e até gatos. Deve estar habituado a viver na rua, mesmo com os donos dos quais se perdeu ou que o abandonaram, pois não tenta entrar em casa.
Alguém conhece ou está interessado num amigo a sério?

sábado, 20 de agosto de 2011

A mulher de César, Direito, Ética e Bom-senso

Imbróglio na autarquia ainda tem lenha para arder

Os pareceres e decisões oficiais mais recentes - mesmo do Ministério Público - no entido de que não há incompatibilidade ou impedimento de a Câmara Municipal de Angra fazer compras a uma entidade propriedade do pai da Presidente da Câmara vieram dar razão a Andreia Cardoso. Está assim resolvida esta questão?
Uma empresa comercial é um "património cuja finalidade é o comércio na obtenção de lucro". Quais as formas de empresa comercial?: muitas; porque, como é evidente, não existe apenas o Código das Sociedades Comerciais. A tipologia da empresa comercial é dual: as que se organizam numa pessoa singular e as que se organizam numa pessoa colectiva. Estes dois modelos base depois são desenvolvidos em várias formas de empresariado. A lei, que não deve ser lida como quem lê um jornal, tem que obedecer a este esquema da ordem jurídica portuguesa. Por isso quando a lei refere no título (que é mero título e que tem valor meramente organizatório e às vezes ilustrativo) "sociedades" é uma infelicidade gramatical; mas quando o articulado da norma - e isto é que é a lei - refere "empresas" o termo é já certeiro e não engana. Além disso, se a lei permitisse a interpretação favorável à Presidente, que não permite mas vamos admitir que sim, seria inconstitucional: a lei pode fazer desvios ao princípio da igualdade desde que com justificação proporcional, razoável e adequada. Veja, por exemplo: se é razoável que numa fila a lei mande passar à frente uma mãe com um bebé ao colo; já não é razoável que a lei permitisse ao fulano A com totalidade duma empresa em nome individual de 80.000 euros e proibisse o fulano B que tem numa empresa uma quota de 5.000 euros.

Se não está resolvida a questão, parece justo, no entanto, imaginar que esta história chegou ao fim e que está salvaguardada a funcionalidade da Presidente da Câmara?Há uma atenção especial, exclusiva aliás, na questão legal. Mas este assunto é muito mais do que isso. Qualquer cidadão - que paga os seus impostos sempre com muito sacrifício - tem interesse que exista uma actuação saudável, isto é, transparente. Ora, em qualquer circunstância, é sempre sujeito a um juízo de desconfiança, a actuação de quem tenha o poder político-administrativo de comprar diretamente a familiar usando o dinheiro dos cidadãos. Até podia ter o aval da maior proeminência jurídica; essa relação de Pai-Filha é um forte combustível para a desconfiança. E nisto já não há salvação possível.

Podemos dizer que quem aconselhou a Presidente da Câmara a aconselhou mal?O mal é todo da Drª Andreia Cardoso: tinha obrigação, pela experiência política que possui, pela possibilidade de se rodear de bons conselheiros, de não ter enveredado por aquela via. Aliás, um (e não "o") senso comum aconselharia o político a proteger o pai. Aliás, pela comunicação social "constatamos" que a Srª Presidente continua com a intenção de seguir os procedimentos, quando tudo aconselharia a que, em nome da transparência, dissesse "independentemente da legalidade, não vou permitir mais confusões". Mas, enfim, como munícipes temos o que temos e não o que merecemos. - Arnaldo Ourique in Diário Insular

Maranatha (81)

IX. CONCLUSÃO

5. CENSURA

"Em Maranatha vai haver uma grande tentação para usar a censura.
Basta olhar o mundo actual: jornais de escândalos que destroem vidas de pessoas idóneas; programas de televisão obscenos; partidos políticos com projectos anti-sociais; modos de vida que são insultos contra a natureza; etc.
Compreendemos que uma comunidade conservadora sentirá o estômago às voltas, em contextos análogos.
Não se pense que não há censura nos dias que correm! Ann Coulter está proibida de entrar em várias universidades canadianas! Lembre-se o que aconteceu ao Papa; proibido de falar numa universidade chamada "de la Sapienza"!
Cada regime tem o seu estilo, mais ou menos explícito. Como sempre, é pior o estilo dissimulado ("Livrar dos sonsos!") do que o explícito, que se justifica.
Mas nós esforçar-nos-emos, por todos os meios, por evitar cair na tentação da censura.
O ponto está na adequada definição de liberdade, cujo sentido os modernos inverteram, como com muitos outros conceitos.
A liberdade está directamente relacionada com a razão; significa "deliberar". A razão busca um acordo universal - pelo que a liberdade é, antes de tudo, um libertar-se de instintos e de caprichos psicológicos.
Enfrentemos destemidos o tabu da "liberdade de expressão", contrapondo-a ao direito privado: uma coisa é falar de pessoas, outra falar de factos e ainda uma terceira diferente é falar de ideias.
Só medíocres se ocupam de falar mal de outras pessoas. Quase nunca há interesse político em assuntos do foro pessoal. Discutir factos implica apresentar provas (o boato é típico do falar das outras pessoas). A discussão filosófica séria não pode ser impedida.
Ser livre é ser imputável.
Não vale confundir autoridade com censura." - Mário Cabral in Diário Insular

terça-feira, 16 de agosto de 2011

sábado, 13 de agosto de 2011

Maranatha (80)

IX. CONCLUSÃO

4. PROVINCIANISMO E XENOFOBIA

"Considerando dois provincianismos, de um escaparemos à larga... mas poderemos cair no outro, ao dar o salto.
Por um lado, há o provincianismo do grupo G70 (Geração de 70), que tomou conta de Portugal desde os primórdios do liberalismo, e que agora se reproduz em rosa e escarlate: tudo o que é estrangeiro é bom, tudo o que é português é três vezes grosseiro.
Apetece cantar: "Lisboa, não sejas francesa, lá rá, lá, lá".
Deus nos livre de cair na tontaria dos descendentes de Isaú! De certa forma, Maranatha é fundada contra eles. Somos... "racés "!
Já o segundo pode muito bem infectar-nos, pouco a pouco.
Poderemos encher-nos de luxo, pensando: "Somos os únicos bons à face da Terra!". E por causa do nosso pavor ao relativismo, estaremos muito susceptíveis à xenofobia, com a qual ele se relaciona, a contrario.
A realidade desdobra-se numa espécie de variações musicais sobre um mesmo tema, haja em vista os tipos de plantas e de animais. À imagem da Natureza, existem muitas variantes de sociedades humanas.
Maranatha não é a única cidade que se encaminha para a excelência. Há que não confundir "o nosso estilo" com "o estilo único".
Verdade seja dita que esta tendência totalitarista é muito mais moderna do que conservadora, devido à preferência pela linguagem matemática e pelas ciências da natureza. Ao contrário, um antigo sabe que a liberdade passa por não haver um único caminho possível; não pode haver só um!
A Cristandade era um caldo de culturas vivas.
Combater os atalhos perversos jamais nos deve levar a supor que só há um caminho para o Céu: "No Céu há muitas moradas", disse Nosso Senhor.
Aliás, o Pentateuco, base das três religiões monoteístas, é claríssimo na condenação da xenofobia." - Mário Cabral in Diário Insular

domingo, 7 de agosto de 2011

Maranatha (79)

IX. CONCLUSÃO

3. O CONGELADOR

"E se a música tivesse parado na Idade Média, nos esplendores do gregoriano? "Una Furtiva Lagrima" não existiria.
E se diante da magnificência da escultura grega Miguel Ângelo se tivesse recusado a esculpir David?
E se depois de Leonardo não se imaginasse a poesia de Chagall?
Conclusão: tudo está por fazer. Há aqueles que gostam de afirmar que tudo já está feito - mas, por incrível que possa parecer são, com frequência, modernos. Olhando com atenção, faz sentido que assim pensem: primeiro, porque se viciam em combater, desfazer, desconstruir, destruir; depois, porque não acreditam na eternidade, ou seja, no futuro.
Ao contrário, para um conservador, o tesouro guardado no futuro vale tanto como o que já foi concretizado. Esperemos que em Maranatha não se confunda "conservador" e "congelador". Conservar as raízes serve apenas para procurar florescer bem para o alto, no azul das aves.
O congelador é um bom exemplo da excelência técnica moderna, contra a qual não teremos nada, por princípio. Quando uma alma contemplativa pensa em retirar-se do bulício das cidades contemporâneas, a custo imagina a sua cabana sem electricidade, por causa do frigorífico.
Desde sempre os homens procuraram o que está para além do horizonte. O velho do Restelo não é conservador... é velho. Ser moderno não é ser novo, que até o iluminismo é chão que já deu uvas. Em Maranatha vamos embarcar com o velho do Restelo a bordo; precisamos de ouvi-lo antes de toda e qualquer decisão séria.
O problema não está em avançar; aliás, o problema está em não partir. O busílis reside na imperiosa proibição de descermos um milímetro que seja da nossa condição de pessoas livres, trocada por um prato de lentilhas." - Mário Cabral in Diário Insular

Rio Cacheu, Guiné, LDM 113, 7 de Agosto de 1973

Trinta e oito anos depois, o tempo passou, a dor não.
(na foto: LDM 119, retirada daqui)