
7.6. XADREZ
"Pedir ajuda, dizer sou fraco, estou em baixo, não sei fazer isto, estou cansado, não tenho esta qualidade, sou limitado… pedir ajuda, implorar auxílio – eis o que o orgulho impede uma pessoa de fazer.
E, no entanto, quem não precisa de auxílio, de ajuda, quem não tem limites ou possui todas as qualidades e sabe fazer tudo e nunca está em baixo e é sempre forte?
O orgulho é o pai da mentira.
Quem não gosta de pedir um favor liberta-se de fazer um favor. O orgulhoso não lança pontes de amor e, por isso, é gelado, mortífero. Usava-se a expressão: «Dever favores». Pelos vistos, agora ninguém deve favores.
Se o orgulho é a mão direita, o egoísmo é a mão esquerda. A cultura ocidental já teve ordens mendicantes, multidões de pessoas que optavam por viver da esmola. Hoje em dia custa a perceber que a rainha Santa Isabel da Hungria tenha abdicado do trono e implorado para ser pedinte.
Em Portugal, a sobrinha-neta – Santa Isabel de Portugal – impressionou a nobreza do tempo ao servir à mesa do bodo, como criada. O dia dos Açores ainda é a Segunda-feira do Espírito-Santo, o que já não faz sentido, pois nos Açores, e em Portugal, em geral, já ninguém precisa de ajuda, já ninguém é fraco, nem está em baixo; e todos sabem fazer tudo e têm todas as qualidades e, portanto, não têm limites e, portanto, não precisam de auxílio.
O progresso fez com que exijamos do governo os nossos direitos.
Sobraram as criancinhas que no primeiro de Novembro saem a pedir uma esmola, em nome de Deus. E, mesmo estas, um destes dias deixarão de sair com saquinhas de trapos nas mãos, pois é mais “in” acender velas dentro de abóboras e acreditar em vampiros e fantasmas, e não em Deus.
O xadrez deu lugar ao futebol." - Mário Cabral in Diário Insular
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