VII. CULTURA
6. A FADA DO LAR
"Era assim que se chamava à perfeita dona de sua casa: a harmonia dentro da habitação espelhava-se na praça através do bem-estar do marido e dos filhos. A Bíblia faz-lhe rasgados elogios e a publicidade antiga também.
Não se trata dum ideal burguês, como supôs o séc. XX; há quarenta anos, se tanto, chamar "desalastrada" a uma mulher do povo era denegri-la. Basta pensar bem para concluir que a higiene é melhor que a porcaria e que a ordem está mais próxima do Belo do que o caos.
A fada do lar tinha bordado as barras dos lençóis do seu enxoval com iniciais entrelaçadas, era "limpa e asseada", cozinhava bem e era poupada, debruava até os panos velhos e, nas horas vagas, costurava, tricotava e fazia renda de bilros.
Ao sair para trabalhar, a mulher deixou de dominar estas artes; morreu a fada e o lar entrou em ruínas e já tresanda. Elas escondem de si próprias o dilema que sentem no âmago de si próprias, fazem troça das domésticas e deliram em falar mal das empregadas, à mesa do café.
"São verdes, não prestam".
Mas o maior problema nem é o psicológico e social.
O feminino abandonou a cultura contemporânea e trata-se de uma perda incalculável. Feminino é: interioridade profunda e sombria, pormenor e requinte personalizado, subtileza da leitura ambivalente, a linha curva que não tem pressa em chegar... numa palavra, a Poesia.
Quando as mulheres estavam em casa influenciavam enormemente os homens e isto por uma razão óbvia: havia mulheres e havia homens - agora há só homens, um mundo bruto e cheio de ângulos rectos, materiais frios e muitas contas de somar e subtrair.
Ninguém lê poesia.
A Cultura é feminina, mesmo quando feita por homens.
Dantes, o croché passava à pedra das catedrais." - Mário Cabral in Diário Insular
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