sábado, 12 de março de 2011

Para reflexão

Impedimentos e Incompetência

"Angra do Heroísmo vive uma época difícil e que tem alguns contornos algo idênticos ao SAVONAROLA: uma gestão da cidade baseada, não em conhecimentos técnicos e políticos, mas em vontades pessoais. Ao SAVONAROLA percebe-se porque o homem, embora inteligente, era tolo ao mandar queimar os livros; à Presidente percebe-se porque nem todas as mulheres que hoje ocupam cargos políticos conseguem deixar a sua condição feminina de quero, posso e mando - e é preciso, isso é mais do que justo, dar tempo ao tempo. O povo já promoveu o choro da Presidente e este o móbil para a escrita jornalística; pode ser que o abandono do PS pela sua Presidente, embora agora já tarde demais, lhe provoque a sabedoria política: mesmo o homem mais indecente e incompetente ao tomar o exercício do poder político ascende a uma atitude que não imaginaria possível na sua normal condição humana. O político é o super-homem sempre renovado porque faz dos seus inteiros defeitos inteiras virtudes aos olhos do povo. Quando não se sente isso - o melhor é ir para casa e continuar a cuidar da vinha e dos filhos. A lei da paridade que muito contribuiu para acabar com a injustiça de uma história sem mulheres no exercício do poder, não muda tudo; é o indivíduo que por si tem de construir esse caminho de sabedoria pessoal.

Aquela a parte política, agora a parte jurídica. Ponto um: No exercício do poder político há dois tipos de impedimentos: o político e o administrativo. O primeiro tem um regime próprio de impedimentos e incompatibilidades; o segundo também tem o seu regime próprio de processos e procedimentos administrativos de actuação da Administração Pública. Ambos abrangendo tudo quanto é público, sejam os órgãos do Estado ou das Regiões Autónomas, sejam dos da Autarquia Local.

Ponto dois: Essencial é separar duas coisas inteiramente distintas: uma é o impedimento de participar num determinado processo ou procedimento; neste caso o processo existe, não é provocado pelo titular órgão político (os órgãos tanto são colegiais como singulares, atente-se) e, pois, esse titular vê-se confrontado com um dado adquirido e, verificando que, por exemplo, um seu familiar faz parte de interessado, pede a sua escusa, no fundo dizendo "eu não posso participar porque...". Esse, como se percebe, é um impedimento normal e corrente: não se pode impedir que um familiar do titular do cargo político deixe de pedir, por exemplo, uma licença - porque é aquele próprio serviço público que fornece essas licenças. Mas muito diferente é o outro patamar de impedimento, aquele que é provocado pelo próprio titular do cargo político. Aqui entra precisamente o caso emblemático das despesas públicas: a lei não impede apenas a compra a familiar, mais do que isso, a lei impede que se inicie sequer o processo de compra directa a esse familiar. Àquele vamos chamar de impedimento administrativo e a este impedimento político. A distinção é crucial: no impedimento administrativo as coisas passam-se a um nível de responsabilidade mais administrativa e financeira e até de contra-ordenações; mas no impedimento político as coisas inclinam-se mais para questões de natureza criminal e destituição judicial do cargo.

Ponto três: Quer um tipo de impedimento quer outro têm várias ramificações consoante a competência do órgão: seja porque há atribuições próprias, seja porque há competências do órgão colegial. Nos municípios isso é simétrico porque o presidente da câmara tem atribuições inteiramente suas em tudo diferentes enquanto presidente da própria câmara; ou seja, em cada caso concreto temos de verificar se a actuação é como órgão singular ou se, pelo contrário, como órgão colegial. A análise e as consequências de cada caso são diferentes. Mais do que isso não podemos dizer.

Em síntese: a Presidente de Angra mostra-nos que não cede da sua condição feminina em favor da sua responsabilidade política e por isso Angra está a perder tempo; mostra também que utiliza verbas públicas através de mecanismos que porventura interessaria mandar verificar às entidades competentes. Mas também mostra que tem fibra para erguer um novo mundo que dignifique a condição feminina que tanto vive e que dignifique a história angrense que tanto esquece." - Arnaldo Ourique in Diário Insular

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