domingo, 27 de setembro de 2009

Dia Europeu sem Carros (1)

OS CARROS

"Esta história da cidade sem carros é de uma extrema contradição!
Deixando claro, desde já, que eu gosto da cidade onde moro com muito menos barulho, isto de nos tirarem as rodas uma vez por ano transforma-se num circo inconsequente, demagógico e ineficaz.
O objectivo proclamado fica mais longe que o Sol-posto e o caminho não será este, certamente.
É preciso não esquecer, nunca, que as pessoas procuram morar e viver à distância confortável das coisas, dependendo, portanto, do tipo de transporte disponível. Se é a pé tem de ser perto, se é a cavalo pode ser mais longe, se é de carro pode ser ainda mais longe.
Por outro lado os armazéns, locais de trabalho, creches e jardins, lojas e cafés, vão-se organizando de acordo com esses mesmos transportes. Uma coisa era a gente ir buscar, a pé, meio quilo de açúcar, à venda mais próxima, outra coisa é a gente ir fazer as compras todas da semana e ver-se com umas boas arrobas à porta do mercado com a necessidade de as levar para casa.
Isso e o resto são os elementos base constituintes de uma qualquer cidade ou comunidade e é por causa disso que se realizam e constroem estradas, pontes, viadutos e passeios, verdadeiros canais por onde se circula.
A forma das cidades de hoje e, sobretudo, os lugares onde desempenhamos as nossas actividades, resolvemos as nossas necessidades ou temos as nossas diversões estão para o carro privado como o açúcar está para os bolos.
Sem uma coisa não existe a outra e vice-versa.
Daí a contradição: por um lado fazem-se mais estradas e caminhos, por outro procura-se retirar os carros da vista; por um lado põe-se as coisas uma em cada lado e bem afastadas, por outro pedem-nos para só demorar 5 minutos de um lado ao outro!
Ora isso não é possível!
Quando uma cidade, lentamente, cresce como as nossas têm crescido, quando uma freguesia, mesmo rural que seja, cresce do modo como as nossas têm crescido, todas elas crescem baseadas nos tipos de transporte que agora estão disponíveis e nada pode ser mudado de um dia para o outro!
Este “espectáculo” do dia sem carros torna-se, por isso, cada vez mais em algo vazio de conteúdo e, até, de sentido.
Procurar reduzir o número e modo de existir das viaturas na cidade implica reconstruir todo o sistema de vivências e convivências das pessoas. Implica modificar não apenas os comportamentos mas as expectativas das pessoas.
Não é possível esperar que eu faça a pé ou em transporte público o mesmo que faço em viatura própria. As demoras serão outras e maiores. Logo não vou poder estar e fazer o que fazia antes.
É a cidade que tem de ser mudada.
Os carros existem porque as pessoas precisam deles.
Se não precisarem não os usarão tanto como agora!
Em vez do “foguetório” de um dia ou dois em que tudo funciona mal e ao contrário, vamos organizar a modificação orgânica que permitirá, no futuro, ter vários dias com menos carros mas sem dores de cabeça à mistura.
Vamos “começar por casa” e planear isto como deve ser, reorganizando horários, transportes públicos, localização de equipamentos e serviços, coisas assim…
Sendo Angra um sítio Património Mundial, tem especial responsabilidade no Mundo.
Esta cidade com muito menos carros e mais conforto é possível! Todos os dias do ano.
" - Francisco Maduro-Dias in Diário Insular

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