sábado, 19 de setembro de 2009

PECADOS CAPITAIS (33)

6. A IRA

6.2. LINGUAGEM INDECOROSA

"O furor verbal pisa mais que o físico. Pode ser de vários tipos: calão, praga, falsa sinceridade, jargão científico. Também se pode afirmar a dialéctica mais violenta que a persuasão retórica. O debate é um combate: «Quem ganhou?».
O problema do calão é mais estético e sócio-político que moral. Muitas vezes aqueles que o empregam acusam não possuir riqueza de vocabulário suficiente para expressar, em especial, algumas dobras finas dos afectos. É um tipo de ignorância que revela logo o status (o que nada tem a ver com o dinheiro). Trata-se duma solução fácil, reveladora de preguiça mental e que não ajuda à originalidade. Neste aspecto, é inestética.
Claro: o seu uso pode ser deliberadamente violento. A autora de «Maina Mendes» cria uma personagem feminina que se recusa a falar, a não ser palavrões, proibidos, então, à boca das mulheres. É um manifesto político. Hoje, porém, a frequência do calão diz da nossa vulgaridade cultural. A velha praga era poética.
Pior do que o calão é o «Olha, sabes, eu sou uma pessoa muito franca, digo o que tenho a dizer…». É como tirar uma unha a sangue frio, exclamando: «Pronto, já passou. Foi para o teu bem». Seria mesmo importante dizê-lo? Não haveria outra maneira?
Igual, em malvadez, é a utilização abusiva de termos científicos abstractos, fora do contexto académico. Dantes, só os médicos praticavam esta deselegância, impositora de poder; agora qualquer tolo adora ser técnico. Mais: “aborto” não é a mesma coisa que “interrupção voluntária da gravidez”.
Houve tempo em que optámos pela persuasão retórica. Fomos conhecidos como grandes diplomatas e embaixadores, gente de brandos costumes e apta para o negócio. Nesta altura tivemos um império.
" - Mário Cabral in
Diário Insular

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