sábado, 6 de junho de 2009

PECADOS CAPITAIS (18)

4. A INVEJA

4.1. A INVEJA EM SI

"Deixou de se falar na inveja, como se fora fedor em vias de extinção. Mas a inveja continua tão insidiosa como sempre, de espuma verde ao canto da boca, olhos raiados de sangue; dissimulada e muda.
É uma das piores deformações de carácter, o que se comprova pelo facto de ninguém assumir tê-la. O preguiçoso pode brincar com o seu defeito, o avarento e o lascivo inverter os valores com cinismo; e o orgulhoso ter gosto nesta imperfeição – mas o invejoso esconde-se no escuro, como se tivesse lepra.
Na verdade, a inveja mata mais que a lepra.
Ao contrário dos demais vícios, que têm o seu epicentro na própria pessoa, a inveja está voltada para os outros desde o início, tal seta envenenada que parte em busca da morte sem, muitas vezes, qualquer proveito, para além do gosto perverso de aniquilar o brilho alheio.
Trata-se duma corrupção do amor como, aliás, acontece com outros pecados. É assim que a inveja é aparentada com o ciúme; porém, o ciúme é um sentimento aceitável, enquanto prova da exclusividade natural do amor – é visível no reino animal (dois cães são ciumentos do seu dono); e, no caso humano, não costuma abafar a excelência do amado, a não ser em casos excepcionais. Diz o ditado: «Quem tem ciúme quer bem». Mas a inveja jamais chega a querer bem.
Este é um fosso inultrapassável entre o ciúme e a inveja: aquele desenvolve-se dentro do acto amoroso; esta cresce fora dele.
O invejoso é cego para si próprio. Como todos nós, quer ser amado, mas só vê qualidades nos outros; a seus olhos, nada em si é digno de mérito. Contas feitas, odeia o amador e a coisa amada, colocando-se como carta fora do baralho. E sofre.
O maior crime do invejoso acaba por ser este suicídio no gelo." - Mário Cabral in Diário Insular

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