4. A INVEJA
4.4. A AREIA DOS DIAS
"Com os grandes males todos aguentamos: guerras, doenças, infortúnios… São compreensíveis e justificáveis: podemos falar sobre eles, pois dão-se ao nível racional. Mas a inveja é quase sempre um pequeno nada difícil de expressar, uma espécie de areia fina que incomoda tanto mais quanto permanece ao nível da mera psicologice.
É fácil provar que é contraditória e, como tal, defeituosa.
Alice acha que se Augusto fosse casado e tivesse filhos, como ela, não seria o profissional brilhante que todos elogiam. Esta modalidade de inveja é muito comum. É um disparate lógico de duas pontas: nada garante que, sendo casado e pai de filhos, Augusto não continuasse a ser um exímio trabalhador, pois que todos conhecemos exímios trabalhadores casados e pais de filhos; pelo modo como falou, compreende-se que Alice é incompetente.
Saúl não tolera que David, seu empregado, tenha a solução para todos os problemas da loja e que revele, para além disso, um dom inato para a liderança. Todos os colegas obedecem de bom grado às soluções de David, como se ele fosse o patrão. Saúl teria toda a conveniência em atribuir responsabilidades a David: o negócio cresceria e ele podia ir de férias mais descansado. Em vez disso, Saúl infernizará os dias do seu funcionário. É tolo. É fraco. Não é chefe.
E pode votar-se ao silêncio aquele que brilha mais do que nós, apenas por não jogar na nossa equipa. É o trivial na política e nos meios artísticos. Há até a expressão: “estar na prateleira”. Ora, uma lâmpada escondida debaixo da mesa pode incendiar a casa.
Maquiavel tem muito a ensinar ao invejoso. Mas esta volta a ser uma contradição nos termos: é o mal a matar o mal. O mal é autofágico. Perde sempre, no fim." - Mário Cabral in Diário Insular
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