segunda-feira, 17 de novembro de 2008

O Ensino, os Professores e o Estado


A guerra que se instalou entre os Professores e o Governo tem, em minha opinião, relegado para segundo plano o que deveria ser a verdadeira reforma do ensino e sobre a qual, nem Professores nem Governo, parecem ter uma estratégia a propor.
Antes de continuar, e não querendo ser acusado, entre outras coisas, de elitista, quero esclarecer que a minha perspectiva deste problema é a de alguém que frequentou uma escola diferente dos comuns liceus. E quando digo diferente, quero dizer diferente em tudo, a começar logo por ser uma escola militar. Longe de ser perfeita, tinha as características necessárias para me fazer hoje ter orgulho de ser ex-aluno e de ter tantas saudades de lá estar.
Frequentei essa escola não por pertencer a uma qualquer elite, mas por ser órfão de guerra. Ou seja, foram circunstâncias dramáticas, tão comuns à minha geração, que me colocaram num estabelecimento onde vivi durante dez anos e onde encontrei o que, posso hoje considerar, uma segunda família com muitos irmãos para o resto da vida.
Daquele período determinante ficaram muitas recordações povoadas por oficiais, funcionários, professores e mestres que foram o centro da minha formação e a quem hoje devo grande parte do que sou enquanto Homem e os valores que prezo. A todos estou reconhecido.
Estando a escrever sobre ensino, destaco de entre aquelas pessoas os Professores.
Algumas das pessoas que me conhecem e venham a ler este apontamento sabem de quem falo ao referir Professores como o Dr. Salvador Martins e o Dr. Boaventura Sousa Santos, que nos ensinaram Português, Filosofia, Psicologia, o Arquitecto Bastos que nos fascinava com a sua perícia a desenhar à mão em Geometria Descritiva o que para nós parecia às vezes quase impossível mesmo com régua e esquadro, o Coronel Cruzeiro que fazia da Física algo simples, o Dr. Steiger e o seu esforço para que percebêssemos alguma coisa de inglês, os Mestres de Oficinas que com uma infinita paciência nos ensinavam a usar os formões e as goivas em carpintaria, a reparar máquinas na serralharia, a moldar um escopro na forja e a produzir moldes e peças na fundição.
Podia deixar aqui uma extensa lista. Peço desculpa por isso a todos os que não referi.
Voltando ao assunto deste “post”, quero ainda deixar claro que não consigo tomar partido entre os dois oponentes da actual guerra.
Vejamos então os aspectos que considero serem determinantes para dar início a uma verdadeira reforma do nosso sistema de ensino.
Primeiro: a colocação de professores.
Quem vê o sistema de fora simplesmente não consegue perceber o que leva o Estado, no fim de cada ano lectivo, a desfazer para fazer de novo todo o processo de colocação de professores.
Além dos custos financeiros do processo, torna quase impossível ter quadros de professores estáveis nas escolas.
Nunca consegui perceber por que motivo a colocação de professores se processa através de um concurso nacional gigantesco, burocrático, impessoal e logo muitas vezes injusto.
É no mínimo desumano o que se impõe a alguns professores que passam a maior parte da sua carreira a percorrer o país, literalmente de casa às costas.
Não seria mais simples, justo e eficaz dar autonomia às escolas na selecção e contratação dos professores que necessitam, permitindo-lhes constituir um quadro docente estável?
Mas num país centralista e centralizado não me espanta que assim seja.
Par quem argumenta que este tipo de sistema iria potenciar as contratações via “cunha” e não via “curriculum”, sugiro que os pais passem a poder escolher a escola onde querem que os filhos estudem. Não acredito que as escolas cheias de incompetentes contratados pela primeira das vias venham a conquistar o necessário prestígio a torná-las na primeira escolha de qualquer pai atento à formação dos seus filhos.
Segundo: dotar o sistema de mecanismos que lhe permitam libertar-se de quem não tem perfil para ser Professor.
Sei que para muitos isto soa quase a blasfémia, mas sejamos claros: há muitos professores efectivos que não deviam estar no sistema, pois não são competentes para ensinar. Mas, por serem efectivos, vão arrastar-se nas escolas até à idade da reforma, acentuando a injustiça de deixar de fora quem eventualmente exerceria a docência com competência.
Já ensinei, dou formação, sou pai de um aluno do 9º ano de escolaridade e acompanho de perto a sua vida escolar, sei por isso do que estou a falar.
É aqui que os processos de avaliação de Professores são fundamentais.
Mais do que avaliar para efeitos de progressão na respectiva carreira, que é obviamente importante, é garantir que a todo o momento temos no sistema os melhores elementos. Até por uma questão de valorização social de uma profissão que considero ser de grande desgaste e muito absorvente quando levada a sério.
Portanto, estou certo que nenhum bom professor terá medo de ser avaliado e percebo também que qualquer mau professor não o queira.
Quanto a modelos de avaliação, não sou especialista para propor um nem sequer para criticar o que está a ser implementado.
Não obstante, não me custa a crer em duas coisas:
Primeira - o modelo que está a ser implementado, por ser de aplicação universal e vindo de cima para baixo, só pode ser complexo e burocrático e este aspecto poderá ser, em minha opinião, o seu grande pecado original; a tendência de pôr os Professores em infindáveis reuniões e a produzir papel é quase um atavismo português;
Segunda – a resistência dos Professores ao modelo é neste momento tal que, muito naturalmente, poderão estar a acentuar na sua aplicação prática tudo o que tem de mau; quando queremos provar que um qualquer modelo não serve basta um pouco de excesso de zelo e aplicá-lo em sentido estrito abdicando de uma interpretação lata do mesmo.
Não sendo especialista, como já referi, conheço algumas escolas e consigo observar que, por exemplo, em algumas escolas profissionais existem modelos de avaliação que lhes permitem ter sempre os formadores que melhor servem os seus objectivos de ensino. Todos conhecemos também escolas privadas com quadros docentes estáveis e de qualidade, sujeitos a modelos de avaliação que não criam guerras como a que se está viver actualmente.
Será que um olhar dos Professores e do Governo sobre o mundo exterior ao sistema de ensino público e aos seus paradigmas não poderá fornecer algumas pistas sobre o modelo de avaliação a implementar?

E porque não dar a cada escola autonomia nesta matéria?
Terceiro: acabar com o actual sistema de gestão escolar baseado num conselho executivo, mais ou menos colegial e composto exclusivamente por Professores.
Nada melhor para que não seja possível exigir responsabilidades e para que cada acto de gestão das escolas, bom ou mau, nunca tenha consequências.
Temos que nos deixar de preconceitos e ponderar a reposição da figura do Director.
A escola está necessitada de Autoridade e esta nem é má nem é sinónimo de Autoritarismo. E se o Director tiver origem em carreira fora do sistema escolar, tanto melhor.
Os argumentos da gestão democrática não me convencem e democracia não é incompatível com a existência de um Director. Numa altura em que a responsabilidade sobre o sistema escolar está a ser transferida cada vez mais para as Câmaras Municipais e em que tanto se fala da ligação das escolas à comunidade, porque não eleger também os Directores das nossas escolas nas eleições Autárquicas? Não há, por enquanto, maior legitimidade democrática que a do sufrágio popular.
Quarto: acabar de imediato com os cursos universitários via ensino.
As razões para esta minha opinião são variadas, a começar com a injustiça que é tornar jovens estudantes em virtuais desempregados no momento em que iniciam os seus cursos, pois o sistema de ensino público, por razões da nossa demografia, não vai ter qualquer possibilidade de os absorver a médio prazo e a formação que adquirem não lhes dá perspectivas de poderem fazer carreira noutra profissão.
Outra das razões é conhecer muitos casos de alunos que por falta de capacidade ou de bases suficientemente sólidas para levarem até ao fim cursos de Engenharia, de Matemática Aplicada, etc., acabam por encontrar neste tipo de cursos uma saída de segunda escolha para os seus cursos universitários.
Quinto: passar a promover a excelência e não a mediocridade como me parece acontecer actualmente.
A escola deve ser entendida como um local onde se trabalha e se aprende.
A ideia peregrina de que o ensino tem de ser o que agora se designa por “inclusivo” parece-me, para além de uma injustiça para todos os alunos, um completo absurdo.
Acho uma injustiça, porque sendo o ensino um direito, os alunos com necessidades especiais devem ter acompanhamento adequado, os bons alunos devem ser estimulados e premiados e quer uns quer outros têm o direito de frequentar a escola sem que bandos de rufias façam da escola um reformatório, local onde provavelmente deveriam estar.
Misturar todas estas realidades no mesmo espaço, com os mesmos meios e com os mesmos objectivos não faz qualquer sentido e nivela todo o sistema por baixo.
Sexto: estabilidade de programas e objectivos.
O 25 de Abril trouxe-nos, e bem, uma democratização e generalização do ensino. Passados que são 34 anos era de esperar que tivessem terminado as reformas e as experiências.
Ao invés disso devemos ter tido já quase tantas reformas quantos governos.
É urgente um pacto de regime, em minha opinião, que dê alguma estabilidade e previsibilidade ao sistema.
Temos que tornar possível os irmãos mais novos usarem os manuais dos irmãos mais velhos, sem com isto fazer a apologia dos manuais únicos do Estado Novo. No início de cada ciclo os estudantes têm o direito de saber que exames vão fazer, quando e com que regras. Os professores têm que poder programar a sua docência com horizontes temporais de, pelo menos, um ciclo inteiro com os mesmos estudantes.
Nada disto têm que ver com direita ou esquerda, parece-me puro bom senso.
Creio que quer professores quer governo, não têm hoje a capacidade nem a vontade para avançar com as alterações necessárias a tornar a próxima reforma do sistema de ensino a última e crie uma matriz base que estruturalmente dure, pelo menos, uma geração (sujeita, como é óbvio, às alterações conjunturais que o tempo impõe).
Os primeiros por estarem, em minha opinião, ligados a modelos de sindicalismo que considero conservadores e anacrónicos, não obstante ligados a estruturas da nossa esquerda política, tão avessos que são a qualquer mudança.
O Governo porque governa em função do calendário eleitoral. O actual não é diferente. Fez, em minha opinião, umas ameaças de reformas nos primeiros dois anos de mandato e depois parou para, nos dois seguintes, gerir sondagens até às próximas eleições.
Para mim, o primeiro sinal de mudança será o aparecimento de um candidato a Primeiro-ministro que se apresente às eleições, não com o objectivo de ganhar as seguintes, mas assumindo que não se preocupa nada de as perder. Até lá duvido que algum me surpreenda pela positiva.
Para acabar quero dizer que acredito que o sistema deve centrar-se nos alunos. Isto soa quase a frase feita, mas não nos esqueçamos que devem ser eles a razão de ser do sistema e da excelência que devemos desejar e exigir, pois eles são o país no futuro.
Para quem não acredita sugiro que olhe para o passado e veja o país que o analfabetismo promovido por Salazar produziu.

2 comentários:

  1. Arranja posts mais sinteticos. Ninguém esta aqui para ler testamentos

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  2. Caro Anónimo,
    Agradeço-lhe a crítica e a visita. De futuro tentarei ser mais sintético, mas o tema tornava difícil seleccionar as ideias.
    Vá aparecendo ou visite os links para os outros blogs.
    Desejo-lho sinceramente uma boa noite.

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