sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Os acidentes com instalações de gás e quando a imprensa presta um mau serviço


Outra coisa boa que de vez em quando acontece nos vôos para Lisboa é a disponibilização de imprensa regional a bordo. Foi o caso de hoje em que pude ler a versão em papel do Diário Insular.

Esta minha observação vem também a propósito de uma notícia de mais um acidente fatal com instalações de gás, desta vez em S. Jorge.

Só que ao dar a notícia o jornal prestou um mau serviço, tais são as imprecisões e erros que contém, como é aliás hábito em quase toda a imprensa, quer regional quer nacional, sempre que estão em causa instalações de gás. Vejamos porquê.

Na notícia é afirmado que tudo indica a causa da morte de um casal de 28 anos e de uma criança de dois anos tenha sido uma fuga de gás. Acho muito improvável.

O gás usado como combustível na Região é o butano, um gás da 3ª família de gases combustíveis, normalmente designados por GPL - Gases de Petróleo Liquefeitos. O outro GPL usado no país é o propano, mas não é comercializado na Região, assim como não é o gás natural.

Os gases da 3ª família caracterizam-se por serem mais densos que o ar, razão pela qual se acumulam junto ao pavimento. São ainda asfixiantes (não tóxicos) e têm na sua composição agentes cancerígenos. Na versão comercial são odorizados, precisamente para poderem ser detectados em caso de fuga.

Como as vítimas não morreram de cancro, parece-me altamente improvável que tenham morrido por asfixia, a não ser que já estivessem inconscientes na altura em que inalaram o butano. Para que se perceba a dificuldade de se morrer asfixiado com butano, experimentem o suicídio mergulhando a cabeça num lavatório cheio de água.

Normalmente o agente fatal é o CO (monóxido de carbono). É um produto de combustão que não é produzido sempre que a combustão é higiénica (quando assim é, a chama que vemos nos esquentadores é azul). Aparece quando a combustão é incompleta por se desenvolver em atmosferas confinadas e pouco ventiladas (quando assim é, a chama que vemos nos esquentadores é amarela).

Este gás caracteriza-se por ser inflamável e altamente tóxico. Sendo uma molécula diatómica como o oxigénio, quando inalado é transportado pela hemoglobina do sangue provocando uma intoxicação rápida e fatal.

É verdade que as garrafas de gás devem ser instaladas no exterior. Mas as garrafas de gás, assim como os aparelhos de queima, não representam só por si um grande risco. Somos os maiores e melhores produtores de garrafas de gás do mundo e os aparelhos de queima são produzidos de acordo com normas muito exigentes. Ou seja, o risco não reside normalmente nem na armazenagem nem na queima do gás. Reside sim nas tubagens que ficam entre aqueles dois extremos. E são estas que devem ser alvo de ensaios periódicos (obrigatórios por Lei), pois permitem detectar fugas e detectando fugas prevenimos os maiores riscos associados à utilização do butano: incêndio e explosão (não intoxicação). Só que existe um problema: à excepção de S. Miguel, onde está sediada a entidade reconhecida para proceder a estas inspecções periódicas, que tenha conhecimento, não se fazem em mais ilha alguma. E não podem ser realizadas por qualquer entidade ou curioso. Mesmo o SRPCBA não é entidade habilitada para o efeito. O trabalho de sensibilização que aquele Serviço Regional tem desenvolvido é, mesmo assim, meritório e útil.

Em relação aos esquentadores, e ao contrário do que é afirmado na notícia, não precisam de chaminé de extracção de ar, mas sim tubagem de extracção de gases de combustão. Os locais onde são instalados, normalmente cozinhas, é que têm obrigatoriamente de ter uma abertura franca directamente para o exterior para admissão de ar novo, de forma a prevenir-se a produção do monóxido de carbono. Uma atmosfera com CO é, além de tóxica, potencialmente explosiva.

Mais rigor nas notícias precisa-se.

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