domingo, 11 de janeiro de 2009

Peniche revisitado

Tendo regressado às temperaturas amenas e ao verde da minha ilha, ao conforto de Angra e à azáfama do trabalho após uns dias passados entre as minhas outras duas cidades, Lisboa para estudar e fazer exames e Peniche para passar as quadras do Natal e ano Novo, tive finalmente tempo para organizar algumas notas e impressões sobre estas duas últimas.

Quanto a Lisboa pouco há a dizer. É a mesma cabeça macrocéfala do país, por onde, de uma forma ou de outra, quase todos passamos. Continua, apesar disso, a ser a minha cidade de escola e de formação, onde vive ou trabalha metade das pessoas que conheço, de Invernos frios como sempre e com um horário de Inverno que detesto, pois escurece muito cedo. Mas continua a ser a cidade onde me sinto em casa e curiosamente nunca a vi, nem vejo hoje, como uma cidade grande.

Peniche é diferente e sempre que lá volto assalta-me um misto de saudade e vontade de partir, uma relação de amor e ódio com um espaço que se modifica, onde ficaram muitas das minhas recordações de infância mas onde nunca pude ficar.

Sobre as impressões desta última estadia, vou começar pelo mar e prosseguirei terra dentro.

Começando pelo mar, tenho de o fazer pelo Cabo Carvoeiro. Sítio mágico de onde podemos olhar a Berlenga no horizonte, o rochedo da Nau dos Corvos (onde continuam a ver-se os corvos marinhos) e que adoro de Inverno.

E é aqui que começa a minha primeira apreensão. Todo o trajecto ao longo da costa Sul, entre o Portinho da Areia e o Cabo Carvoeiro, começa a ser invadido por casario de gosto discutível. Gostaria que este espaço, onde em tempos até vinho se produzia, se pudesse preservar sem se tornar noutra Consolação (que está irreconhecível e horrível). Terá a CMP poder e vontade para isso?

O trajecto pela costa Norte, entre o Cabo Carvoeiro e a Papôa, não está aparentemente tão pressionado. O santuário do Senhor dos Remédios está praticamente como sempre o conheci e o próprio edifício da Escola Superior de Turismo e Tecnologia do Mar de Peniche consegue enquadrar-se ali sem grandes choques.

Apesar disso parece-me que a instalação de algumas indústrias nesta faixa é um erro. O concelho não é só Peniche. A cidade é uma Península e por isso acho que devia haver a preocupação de instalar noutros locais do concelho as indústrias que Peniche não tem nem terá espaço para instalar. Continuo sem perceber esta tendência de colocar dentro da cidade indústrias que deveriam estar fora e por outro lado deixar do lado de fora os hotéis que deveriam estar dentro da cidade.

As costas a Norte e a Sul do Cabo Carvoeiro são muito diferentes, mas ambas belíssimas e únicas. Por favor não as destruam.

Ao entrar pela cidade em direcção às muralhas, há uma nota positiva a registar: a substituição em algumas ruas do horrível alcatrão com gravilha ali colocado no final da década de 60/início da de 70, pela antiga calçada branca de calcário (apesar de muito mal executada em alguns locais). Pena é que isso não aconteça, por exemplo, em todas as ruas do núcleo em torno da Igreja de S. Pedro (onde os meus pais me baptizaram, onde baptizei o meu filho e onde casei).

Indo directo ao porto, passa-se pelo Alto da Vela, pelo Campo da Torre, onde tanto brinquei em miúdo quando morava na Rua 1º de Dezembro, e pela Fortaleza.

O Alto da Vela e o Campo da Torre são hoje espaços arranjados e bonitos. Espero que sejam utilizados também, não por carros mas por pessoas, pois parece que o uso dado hoje, em especial ao Campo da Torre (onde ao que parece já não se realizam as feiras), não tem sido pacífico.

A Fortaleza necessita de obras. As muralhas estão degradadas. Com ou sem pousada, com ou sem Museu, precisa de intervenção. A propósito do Museu, acho que tem muito trabalho a fazer num espaço que não foi minimamente adaptado para esta função. A parte dedicada aos presos do Estado Novo está degradada, sem dignidade e a precisar de ser repensada pois, em minha opinião, não pode desaparecer. Tem documentos muito interessantes mas perdem-se numa exposição aparentemente sem qualquer critério.

O porto de pescas, desculpem-me os meus conterrâneos, é um dó de alma. Onde dantes se viam muitas dezenas de traineiras hoje só se vê água do mar. A pesca é uma área que não domino de todo. Mas a impressão que fica é que em Peniche está a desaparecer. Sinais dos tempos, talvez.

Descendo a Avenida do Mar verifica-se com apreço que tem havido um esforço de dar mais dignidade e qualidade aos diversos restaurantes que ali existem.

Entre a Capitania, onde nasci, e a zona de Peniche de Cima desenvolve-se a linha de muralhas da cidade. Sei que estão previstas obras para o fosso exterior que era conhecido pelas docas. Não conheço o projecto mas espero que contemple intervenção nas muralhas, cuja degradação é também evidente.

Saindo as muralhas, encontra-se o que, em minha opinião tem sido o erro em que mais se tem insistido em Peniche: construir sem critério que se perceba na zona que em tempos era o Juncal.

É uma amálgama onde é possível encontrar de tudo: fábricas de conservas, prédios de apartamentos, comércio, supermercados, Quartel dos Bombeiros, stands de automóveis, um bairro social (a Prageira), central de camionagem, etc.. Se há local que devia estar livre de construção para que fosse possível dar alguma visibilidade e dignidade à cidade e às suas entradas, os Portões de Peniche de Cima, a Ponte Velha e a Ponte da Comporta, é precisamente o Juncal. Mas o erro é antigo. Nos últimos 30 anos apenas tem sido acentuado.

Depois do Juncal encontra-se mais uma das notas positivas a referir. Está muito simpático e agradável o trajecto pedonal criado no lado oposto ao que em tempos foi o pinhal.

Mas em frente ao Parque de Campismo está mais uma das notas negativas a referir: o Campo de Jogos do GDP (não posso chamar estádio àquilo). Além de ser um objecto nada interessante, não tem para onde crescer e como se não bastasse está completamente envolvido em painéis publicitários, que são no mínimo feios e nada dignificam o espaço.

Aqui começa-se a entrar pelo concelho dentro através do IP6. E ainda sem termos entrado naquela via, deparamos com uma rotunda que, a par da de Porto de Lobos, ainda não consegui perceber para que serve. Admito que o defeito possa ser meu, mas estas duas rotundas com a sua aparente inutilidade e as inclinações que apresentam são únicas.

Peniche, talvez pela sua exterioridade (demasiado dentro do mar) é, para mim, a cidade e o concelho dos projectos adiados, tardios ou perdidos. Como projectos perdidos temos o caminho-de-ferro e o gás natural. Como projecto tardio temos o Pólo do Instituto Politécnico de Leiria, com 25 anos de atraso. Como projectos adiados temos os acessos rodoviários, que de tão esperados deram numa enorme asneira, em minha opinião.

Continuo sem perceber como se constrói um IP (Itinerário Principal) com 4 faixas, que no 1º troço no concelho, entre a Serra del-Rei e a Atouguia da Baleia, passa a duas faixas (!) e termina com um troço de 4 faixas (!!), este último digno de qualquer auto-estrada com barreiras acústicas e tudo, precisamente entre as duas singulares rotundas que citei atrás.

A minha especialidade também não é estradas, mas o meu senso comum diz-me que o IP6 no concelho está feito ao contrário. Não conheço também o processo, mas, mesmo correndo o risco de estar enganado, parece-me que aqui os interesses das diversas freguesias e os da própria sede do concelho foram concorrentes e não coincidentes e quem perdeu foi o concelho.

Mais uma nota negativa. Tentei mostrar ao meu filho a ponte romana entre a Atouguia e a Coimbrã. É indescritível o seu estado de (má) conservação.

Globalmente, parece-me que Peniche e o concelho, não obstante terem beneficiado do desenvolvimento que o país conheceu nas últimas décadas, continuam com problemas estruturais antigos e sem massa crítica mínima para a fixação da maioria dos seus naturais.

Continua sem um tecido empresarial de base local com dimensão, a pesca aparentemente já não tem o peso de outros tempos, a agricultura podia e devia ser mais valorizada, o turismo apostou na quantidade e não na qualidade (transformou a Consolação numa espécie de Algarve dos Pobres e está rapidamente a fazer o mesmo ao Baleal; compare-se com os Belgas ou o Béltico, como agora se diz, no concelho vizinho de Óbidos) e o Estado, através da CMP, das escolas e doutros Serviços, continua a ser nitidamente o maior empregador.

Uma nota de esperança, para terminar. Sei que a Associação de Municípios do Oeste, no âmbito da qual tem sido desenvolvido algum trabalho interessante, vai transformar-se na Oeste CIM – Comunidade Intermunicipal do Oeste. Continuo a ser muito céptico em relação à sua efectiva capacidade para promover de forma eficaz o desenvolvimento desta região.

Como atrás referi, quando os interesses internos de um mesmo concelho são muitas vezes concorrentes entre si, o que podemos esperar dos interesses de uma série de concelhos? Mas é um passo e antes um passo que nenhum.

Continuo, no entanto, convencido que é urgente um processo de regionalização estruturado e pensado diferente, que possa ter uma visão global dos problemas, liberta dos compromissos que governar uma freguesia ou um concelho impõem. E se esse processo envolver Autonomia, tanto melhor. Não devemos temer cidadãos livres. O país só terá a ganhar.

As fotos foram tiradas da net.

1 comentário:

  1. Caro Rogério
    Li com atenção o seu post acerca de Peniche, e realmente tem razão nalguns apontamentos, quando por exemplo se refere à forma de desenvolvimento urbano da Consolação ou do Baleal, do estado das muralhas ou da Fortaleza. Já noutras situações não lhe dou razão completamente, as unidades industriais existentes na marginal norte já lá estão há muitos anos, não é de agora,concordo também com a observação da espécie de anarquia na construção da zoana da Prageira, desde predios de apartamentos, a bairros Sociais a Oficinas, Armazens, Fábricas, enfim, ninguém percebe, mas começa a ser tarde para emendar aquilo.

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