Acidentes como o que ocorreu ontem em Itália são um dos maiores riscos envolvidos no transporte e uso de gases liquefeitos em reservatórios pressurizados, em especial quando estes têm temperaturas de ebulição muito baixas.
Pelo que se pode ler nas escassas e más notícias sobre o acidente, os vagões envolvidos transportavam GPL – Gás de Petróleo Liquefeito. Estes gases da 3ª Família (as outras famílias são: 1ª Família – Gás de Cidade; 2ª Família – Gás Natural), o Butano (C4H10) e o Propano (C3H8) têm temperaturas de ebulição negativas (−0,5 °C e −42,09 °C, respectivamente).
Esta característica faz com que os reservatórios onde são armazenados, para uso e para transporte, corram o risco de sofrer o que em inglês se designa por BLEVE - Boiling Liquid Expanding Vapor Explosion, ou seja, uma explosão resultante apenas e só da vaporização completa e total do gás que tem no seu interior na fase líquida.
Este fenómeno pode acontecer de duas formas:
- a primeira, mais rara, por colapso mecânico do reservatório e consequente abaixamento brusco da pressão interna e aumento da temperatura do gás; a explosão ocorre sem chama criando-se apenas onda de choque mecânica; é impossível de prever;
- a segunda, mais comum, por aumento da temperatura exterior e consequente aumento da pressão interna que vai causar o colapso do reservatório; a explosão ocorre criando ondas de choque térmica e mecânica (ver explicação aqui); previsível em incêndios (ver aqui e aqui) e até se pode criar de forma controlada (ver aqui).
O maior acidente com GPL que se conhece aconteceu num parque de combustíveis em Juanico, México, em 1984. Julga-se hoje que tudo começou com a formação de uma pluma de gás e consequente nuvem de gás combustível, a partir de uma fuga num tubo de 20 mm durante uma operação de abastecimento.
Como o GPL é mais denso que o ar, não ocorreu dispersão da nuvem de gás combustível que se foi acumulando junto do solo. Daqui até encontrar uma fonte de ignição foi apenas uma questão de tempo.
Apesar de não haver confinamento e a nuvem de gás estar decerto com concentrações de combustível muito acima do LSI – Limite Superior de Inflamibilidade, nas franjas da nuvem ocorrem misturas estequiométricas que facilmente inflamam, propagando as ondas de choque térmica e mecânica ao interior da nuvem de gás. A dispersão que este fenómeno causa vai potenciar a formação de mais misturas estequiométricas, que também se inflamam, criando assim um fenómeno em cadeia.
O resultado foi uma explosão, seguida de uma combustão violenta e consequente incêndio. O fogo causou o aumento da temperatura exterior de uma das esferas do parque. O consequente aumento da pressão interna causou o seu colapso e a vaporização do gás nela armazenado (BLEVE). Foi tão violenta que foi detectada pelos sismógrafos.
Daqui em diante, quer em consequência do incêndio, quer em consequência da onda de choque mecânica da primeira BLEVE, sucederam-se as BLEVE nas restantes esferas e reservatório cilíndricos do parque.
Este tipo de fenómenos tem sempre um potencial destruidor enorme. Não é de estranhar, por isso, que o acidente de ontem em Itália tenha causado tantas vítimas e estragos, não obstante tenham estado envolvidos apenas dois vagões de transporte de GPL.
Quanto às causas podem ser múltiplas e complexas, cabendo agora aos especialistas forenses apurá-las.