1.6. ALIENAÇÃO PELO TRABALHO
"Em grande parte, o surto de preguiça cresceu nos tempos modernos porque o trabalho tornou-se uma tortura que humilha a dignidade humana. A industrialização e o capitalismo subjugaram a pessoa à máquina, numa espécie de escravatura que provoca reacções compreensíveis de repúdio.
A maioria vive para trabalhar, o que é insuportável. Levantam-se às cinco da manhã, fazem percursos intermináveis, picam o ponto contrafeitas e sentam-se à frente duma passadeira eléctrica que vomita um produto sempre igual; à frente, num quadro electrónico, lê-se: «O teu colega da sala ao lado já verificou duas toneladas».
O almoço vem num saco. Come-se num banco de jardim. Migalhas aos pombos. Picar o ponto uma hora depois. Sair às cinco e meia. Não esquecer os filhos na escola. Hora de ponta. Chega-se a casa para jantar e ver a novela. Lancheiras. Deitar cedo. Amanhã será igual a hoje. Hoje foi igual a ontem. Ontem foi igual a todos os dias.
Há que pagar as contas. Horas extraordinárias. Por vezes, um segundo trabalho. Por vezes, turnos, o marido vê a mulher à porta do prédio. «Esqueceste-te das crianças». Por vezes, trabalho ao Domingo.
Como não considerar abjecta esta condição? Ninguém nasceu para isso. Num século de computadores, há gosto perverso em fechar pessoas dentro de salas execráveis, quando muitas poderiam trabalhar à distância; e todas por tarefas. Nas escolas, castiga-se os maus alunos com trabalho, para eles irem aprendendo. As consequências sociais são catastróficas. Não há tempo para educar, nem para acompanhar o funeral dos vizinhos, nem para pertencer aos bombeiros voluntários, nem para estar consigo, verticalmente.
Este destino tem de acabar.
Isto não tem de ser só isto." - Mário Cabral in Diário Insular
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