sexta-feira, 10 de abril de 2009

O mais que pequeno Ananias

Mais um excelente texto da Drª Cláudia Cardoso no Diário Insular de hoje e que aqui transcrevo na integra por estar disponível apenas para assinantes daquele jornal. A par de Os Seguidistas e de Os imparáveis lambe-botas, este é mais um texto que revela uma visão interessante dos corredores do poder por onde tem andado nos últimos anos.

"O mais que pequeno Ananias

De olhinhos pequenos e mãos entrecruzadas como os homenzinhos sem património Ananias vivia contente. Certo da sua imensa valia e indispensabilidade. Como tantos outros não vivia por si, dependendo amiúde dos cargos que os outros estavam disponíveis para lhe oferecer. Ao abrigo da intempérie e do solavanco, vivia nas franjas do poder. E vivia contente. Com quase nada. Com muito pouco. Chegando-se sempre para onde batia o sol. Como as lagartixas. Esticava a barriga proeminente, os braços e as pernas insuficientes para assegurarem a harmonia do corpo. Movia-se como se rastejasse, acocorado numas pernas que se poderia dizer não lhe pertencerem. Mentia com rara facilidade. E desmentia as suas próprias mentiras com denodo. Não sentia o bafo da incoerência nem o peso duma consciência que lhe faltava. Receio nenhum. À espera que o chefe o nomeasse presidente de coisa nenhuma. Aninhado de noite esforçava-se de dia para assegurar uma integridade que não tinha. Evitando o seu próprio olhar ao espelho. Levava a vida muito de fininho. A sua natureza era rasteira, a sua melhor técnica a hipocrisia, e o seu grande trunfo a deslealdade. Pronto a virar o cerco ao primeiro sinal de desgraça. Sempre do lado que batia o sol. Como as lagartixas. Mas mais lento na travessia porque no trânsito se esforçava por salvar a pele. O seu bem mais precioso, o mais limpo arsenal, tudo aquilo que verdadeiramente tinha como seu e em cuja conservação se esmerava. O chefe engodava-o com promessas que não tencionava cumprir. E ele enganava o chefe com evidências fantasiadas. A simbiose era perfeita e o resultado desastroso. A médio prazo para ambos, a longo para o país. Um pedaço de terra sem memória onde medrava a vilania. E onde o húmus absorvia lentamente a memória dos passos dos homens que povoaram o infeliz lugar.
"

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