2.7. POBRES VERDADEIROS
"Querer ser pobre não é para qualquer um. Só os melhores dentre nós o desejam, apenas os magníficos o concretizam. Dada a exigência da corrida, mesmo assim são bastantes os que se afoitam. Há esperança para o Homem.
Não é preciso ser religioso para ter esta vontade. Também não é propósito de cariz cultural ou histórico ou de género. É o simples bom uso da razão que conduz a tal fim.
Diz-se que Tales de Mileto forjou uma experiência para demonstrar aos gregos que, se pretendesse, ficava rico. Sócrates atestou com a sua pobreza que os sofistas eram uma fraude. S. Francisco foi tão radical que ainda hoje se fala da pobreza franciscana e do Povorello de Assis. Santa Clara deu início às senhoras pobres. Gandhi venceu o império britânico com a pobreza da atitude. Wittgenstein, um dos maiores filósofos ateus do século XX, desfez-se da sua prodigiosa riqueza pessoal. Mais perto de nós, Agostinho da Silva nunca usou os direitos de autor consigo próprio.
Muitos baralham de propósito a miséria com a pobreza, com vista a fazerem o elogio da riqueza. A miséria degrada a condição humana e deve ser combatida. Esta confusão é uma falácia: derrapagem. Como com todos os valores, aqui há gradientes.
E há o Absoluto. Imagine-se a montanha do Pico. No cume fica a pobreza, no sopé a riqueza. Um rico e poderoso que se ponha a subir a montanha é mais pobre do que um pobre que está no cocuruto do Pico, de binóculos, a babar-se com o que vê lá em baixo.
Este é um assunto da inteligência. Só os tolos ostentam seus bens. Os ricos que, por falta de coragem, não conseguem abdicar dos vícios deste mundo, disfarçam o odor do dinheiro atrás do perfume delicado do bom gosto, que é discreto.
Do mal, o menos!" - Mário Cabral in Diário Insular
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