terça-feira, 24 de agosto de 2010

Maranatha (26)


III. PODER

10. UM DIA EM MARANATHA

"Já é possível visitar Maranatha; passemos, pois, lá, um dia.
Escolheremos os finais de Setembro, quando o trabalho da terra dá o seu fruto e, cansados mas satisfeitos, os homens todos são reis.
Chegaremos às sete; os alunos, que iniciaram o ano lectivo, encontram-se na missa, que antecede as aulas. À luz doirada que entra pelas janelas altas, distinguiremos as raparigas numa ala e os rapazes noutra, todos de farda imaculada. Atrás, senadores e povo salteado.
Os jovens não saem do templo, que há portas específicas pelas quais seus mestres os conduzem aos corredores escolares, rapazes para um lado, raparigas para o outro. Algazarra própria da idade vem destas portas para a igreja.
Saímos pelo meio do povo, que vai consultando os senadores sobre diversos assuntos, demorando-se nos degraus e pelo meio da praça. Muitas vezes os casos ficam tratados antes que se chegue ao palácio.
Enquanto descemos, somos tomados pelos perfumes misturados que vêm do mercado: uvas brancas e uvas de cheiro, figos pretos esbeiçados, ervilhas e favas, abóboras e mogangos, peixe ainda saltitante. Ouvem-se pregões, conversas em voz alta e gritos de entusiasmo. Uma multidão anda às compras e pára de conversa debaixo das arcadas e na praça, onde não há carros.
Perdemo-nos nas horas. Simpáticas, as pessoas cavaqueiam. Quando pensamos tomar o campo, já os alunos estão no intervalo. Os senadores observam-nos com atenção, estudam seus modos e temperamentos, procuram futuros governantes.
Optamos por almoçar na esplanada duma venda. Há odores de compotas. A dona insiste em levar-nos à cozinha. Lá, dita um itinerário. Entretanto, convida-nos para assistir, à noite, à filarmónica do liceu.
Às dez já o silêncio lunar.
" - Mário Cabral in Diário Insular

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